05/09/2008

-ainda existe um plural?

-ela entrou, fechou a porta. eu já a aguardava sentada na ponta da cama, fumando meu cigarro na tentativa de puxar mais ar para meus pulmões já que sem aquele artifício respirar fundo era quase impossível; há algum tempo respirar já vinha sendo um ato quase que desaprendido não fosse pelo cigarro, sem ele respirar parecia um sacrifício subumano.
a questão é que eu já fazia idéia do que me aguardava, já haviam me preparado mais cedo naquele dia, minhas olheiras sabiam a verdade - ou pelo menos, assim pensava eu..
-a luz do banheiro era a única que iluminava o ambiente pela fresta da porta do quarto onde estavamos. ela, com aquele ar cansado que já vinha há alguns dias, olhou para mim como se nada soubesse, mas seus olhos não mentiam, eu sabia lê-los como ninguém. então, comecei..
dei início ao que para mim seria a última de todas as discussões, não por um término em vista, mas para dar um fim naquelas discussões sem sentido que tanto faziam mal a ela e que eram de minha origem. tentei ser o mais racional possível, mas algumas pessoas não nasceram com o dom da racionalidade, ah não! essa é para alguns poucos, e eu nunca fui um deles.
expus o que sabia, já dando o veredito que supus ser o que ela daria: "o tempo é o senhor da razão", com meu fingido ar de superior de quem tem as coisas sob completo controle. então, ela começou.. mas não terminou.
aquelas palavras, aquelas, tão verdadeiras, tão doloridas, me penetrando como adágas, mas para isso estava preparada, passei o dia me preparando para o que já não mais me era segredo. mesmo naquela situação não conseguia deixar de ver o quanto ela estava linda aquele dia, talvez fosse a auto-suficiência que ela emanava pelos poros naquele momento. ela falava duramente enquanto eu a admirava, mas.. por que não terminou? não aguentei, a expressão de cansaço havia mudado, seu olhar já não era o de quem tem dúvidas, era de quem tem certeza, e uma dura certeza, aquele estranho brilho da frieza.. não aguentei. perguntei "você está terminando comigo? é isso?"
e ela simplesmente disse "estou".
-"não, não, NÃO!" não pode ser, nada mais fazia sentido! eis que minha máscara caiu, junto com toda aquela fantasia, junto com o cigarro, levantei bruscamente, debrucei-me em seus pés: "não, NÃO! por favor, não faça isso com a gente, não pode, não agora, não agora que de tudo sei, por favor! mais uma vez, mais uma chance, te peço, se você gosta mesmo de mim ainda me dê mais uma chance para mudar, para fazer tudo certo dessa vez, deixe mostrar que posso ser melhor que isso que você tem visto.."
-palavras desconexas que não faziam sentido, assim como todos os atos que há meses antecederam aquele momento, assim como uma declaração no meio da pista de uma balada, assim como um afastamento anterior por completo, assim como a intensidade daquele turbilhão de sentimentos.. só o que fazia sentido naquele momento era convencê-la a voltar atrás.
-ela ali de pé, o rosto encoberto pelas sombras do quarto, mas via suas lágrimas manchando sua camisa, e mesmo assim, tão decidida naquela decisão; só ouvia eu implorar por uma chance, uma última chance, sem emitir ruído ou palavra. quando finalmente, as lágrimas me sufocaram a garganta, ela abriu a boca: "está bem, mas preciso de um tempo para organizar minha cabeça, minha vida, e você para mudar".
-uma chance.. não era o fim! mas mesmo assim não a teria mais, por tempo indeterminado, ficarei sem sua boca, seus braços, seu olhar intenso, sua respiração pausada, sua risada, suas palavras doces, seu cheiro único, nada! então percebi que o que me matava naquele momento não era o ato dela terminar comigo, mas sim a realidade de perdê-la, de não mais ter por perto quem dava sentido a essa coisa toda a qual chamamos de vida.
-já não sei se o plural está presente, "nós"...!

3 comentários:

Mash Cobain disse...

meuuuuuuuu
to passada
O.O!!
vc eh mais q uma clarice lispector.. vc eh uma jk desconhecida, uma perola da literatura ainda escondida!!!
nossa me arrepiei do inicio ao fim!!
escreva um livro!! sim, cm esse tipo cena... foi lindo, foi forte, foi foda...
vou rele-lo
pq foi mto bom!!!
O MELHOR!!!
vc a cada dia melhora sua escrita, vire jornalista, nao titubei maninha!!! vc tem o dom!!!
e qto o tema ja nos falamos bastante... e se nao deu tudo certo, eh pq ao fim nao chegou

Raisa. disse...

é ruim perpar-se para o que não é segredo, palavras e pesam mais do que qualquer tipo de objeto cortante, fazem sangrar. perder o sentido da vida nos obriga a automaticamente inventar um novo sentido, ou esperar.

beso.

p.s: te vi nos favoritos da carla, daí vi que eu estava nos teus e nem sabia, haha. resolvi comentar.

Leandro Tavares disse...

um belo conto!